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O uso de Termos Musicais Aplicados ao Teatro no Livro “A construção da Personagem de Stanislavski

SIMPOM do ano de 2014:

O USO DE TERMOS MUSICAIS APLICADOS AO TEATRO

NO LIVRO “A CONSTRUÇÃO DA PERSONAGEM”

DE STANISLAVSKI

MARIA SILVIA NICOLATO PEIXOTO
RESUMO
O presente artigo propõe-se a averiguar o uso dos termos musicais utilizados na obra ―A construção da personagem, de Constantin Stanislavski, e refletir sobre a associação entre a utilização destes termosnos contextos teatral e musical, com suas similaridades e contrastes.
Palavras-chave: Constantin Stanislavski; termos musicais; termos teatrais ; música
ABSTRACT
This article proposes to recapitulate the musical terms utilized in the book “Building a Character,” written  by Constantin Stanislavski, and to further discuss the relationship between the use of these terms within the theatrical and musical contexts, and their similarities and contrasts.

Keywords: Stanislavski; musical expressions; theatrical expressions

Maria Silvia é aluna do curso de pós-graduação em Educação Musical na Faculdade Cantareira, em São Paulo, fez bacharelado em Canto no Conservatório Brasileiro de Música, no Rio de Janeiro; é cantora, atriz e compositora. Tem atuado e buscado se aperfeiçoar em suas áreas de formação artística. Lançou o disco, independente ―Além dos Gestos‖, com o nome artístico Silvia Nicolatto, e uma música do mesmo disco, ―Curva do Rio‖, foi lançada pelo selo DTS entertainment, em uma coletânea intitulada ―Brazilian Romance‖ distribuída internacionalmente.
INTRODUÇÃO
Este trabalho baseia-se no livro ―A construção da personagem‖ de Constantin Stanislavski, onde fica muito clara a utilização de termos musicais aplicados ao teatro. Como teatro e música possuem linguagens afins, torna-se interessante apontar semelhanças e divergências dos conceitos musicais usados no contexto teatral e correlacionar essas utilizações A finalidade deste estudo é melhor associar os termos utilizados na música e no teatro, conceituando os e vendo a similaridade ou não do emprego desses termos quando utilizados em ambos os contextos O russo Constantin Stanislavski (Moscou, 5 de Janeiro de 1863 — Moscou, 7 de Agosto de 1938) foi, sem dúvida, um dos  maiores nomes do teatro moderno. Diretor, ator e crítico teatral, deixou relevante contribuição ao teatro com método criado a partir da experiência e estudo da atuação teatral, o ―sistema Stanislavski de atuação realista‖,
hoje estudado nas escolas de teatro de todo o mundo O livro ―A construção da personagem‖ é uma espécie de continuação do livro anterior ―A preparação do ator‖, onde o foco é o desenvolvimento e a pesquisa acerca do ator. Neste livro, Stanislavski (1998) expõe situações e experiências a fim de ilustrar sua pesquisa e promover reflexões sobre a arte de atuar. Trata-se de uma leitura fundamental para atores, estudiosos e amantes do teatro. A cena do livro é a Escola Dramática Russa, que possui seu próprio palco e auditório, partes de um teatro permanente, com o mesmo grupo de atores. O professor e diretor do teatro Tórtsov, como também o auxiliar do diretor Rachmaninov, são criações de Stanislavski, baseadas em suas próprias vivências com seu grupo. Stanislavski buscou contribuir para o teatro, trazendo registro de princípios que os grandes atores usaram, consciente ou inconscientemente. Ao longo de seu livro, Stanislavski (1998) recorre a conceitos musicais aplicados à arte teatral. No presente trabalho será apresentada uma sinopse dos capítulos nos quais os termos musicais usados no contexto teatral são abordados. Esses termos são então destacados e conceituados, buscando-se estabelecer uma correlação entre eles. Para a definição do conceito dos termos em questão foram feitas consultas em livros de teoria musical e de teatro A alusão a termos musicais começa no quinto capítulo, intitulado Plasticidade do movimento, onde Stanislavski (1998.p. 81) pontua a importância da naturalidade no modo de andar do ator, bem como o funcionamento do corpo ao permanecer com seus próprios movimentos, que são tornados possíveis em grande parte pela espinha dorsal. Foram examinadas as partes do corpo e elucidadas as suas funções. Foram averiguados os tipos do andar, assim como descritos exercícios de conscientização corporal. Também foi apresentado o conceito de fluxo de energia, ao qual, segundo o autor, toda arte deve estar atenta. A partir de então, começam a ser estabelecidas comparações, dentre as quais a música está inserida. Não é casual o fato do autor

mencionar termos musicais justamente no capítulo em que fala sobre plasticidade de movimento e fluxo de energia, já que música e corpo estão diretamente conectados. Dalcroze, músico, compositor e educador musical, percebendo corpo e música e buscando conscientizar esse diálogo, ao pensar o ensino da música, constatou os problemas da educação musical de sua época e fez passar pela experiência do movimento corporal conceitos que antes eram apreendidos teoricamente. Dalcroze pesquisou expressão e ritmo, onde o corpo expressa emoções internas, exteriorizando ações nos movimentos, posturas, gestos e sons, alguns desses automáticos, espontâneos, outros resultantes do pensamento. (BACHMANN, 1998 apud LIMA,
2007).
DESENVOLVIMENTO
Stanislavski (1998) menciona que, assim como na música, deve haver uma linha contínua de som. Uma linha contínua de energia deve ser traçada, como um traço contínuo que deve ser cuidadosamente desenhado de forma ininterrupta, seja nas artes plásticas, seja no som, na música, na arte dramáticaEssa sensação interior de uma energia passando pelo corpo foi chamada de senso do movimento. Nesse sentido, é interessante mencionar Moraes (1983, p. 7) quando afirma que tudo pode ser música, inclusive a fala
Émile Jaques Dalcroze (1865-1950) foi músico, compositor e educador musical, professor no Conservatório de Genebra. Defendeu a educação musical como um todo, aprofundando a relação música/movimento corporal, criando o método denominado Rítmica, método esse em que o movimento corporal é imprescindível para a ampliação da consciência rítmica e dos fenômenos musicais.
E ainda: conversas, o estar atento àquele que domina o seu instrumento, o misturar-se às ondas do mar ou a multidão reunida na praça, o tentar compreender uma construção, um imaginar num átimo a agitação dos átomos. Isso tudo também pode ser música… Pois música é, antes de mais nada, movimento
Assim, Stanislavski (1998) menciona terem sido aplicados exercícios visando à consciência corporal e à visualização dessa linha contínua do movimento. E, baseado nisso, no desenvolvimento dessa linha interior com energia contínua, procurava atingir a emoção no movimento. De certa maneira, as pesquisas se encontram, quando se
fala na busca da percepção do corpo, no caso de Dalcroze, buscando emoções internas para os movimentos e percepção dos gestos, do ritmo. Em Stanislavski(1998), também há uma busca de ritmo no movimento, ou seja, uma conexão entre o corpo, o som e o movimento. Para os exercícios com os atores, a princípio, foi usado apenas o metrônomo, aumentando e diminuindo os tempos para levantar braços e pernas, locomover-se com um pulso específico, acrescentando-se, depois, aos exercícios a música propriamente dita Aumentar e diminuir o tempo, em termos musicais, seria uma alusão ao andamento, assim definido por Med (1996, p. 187):
―Andamento é a indicação da velocidade que se imprime à execução de um trecho musical. – é a indicação da duração absoluta do som e do silêncio determinando precisamente o valor das figuras.‖ Apesar de Stanislavski não ter utilizado o mesmo termo musical, ―andamento‖, no teatro utiliza-se o recurso falar mais rápido, mais devagar, observando o andamento nas frases, da mesma forma que em música, nos trechos musicais
No capítulo VII, A dicção e o canto, explica o autor que a fala do ator deve ser compreensível ao público. São feitas observações sobre o desenvolver da pronúncia e da dicção, que devem ser trabalhadas tanto na fala, quanto no canto (foram mencionados o canto, sua técnica e vários exercícios aplicados ao desenvolvimento da voz). Também é abordada a necessidade de utilização de pausas a serem distribuídas nas frases, assim como da dicção das palavras de forma audível, identificável e clara, pronunciando-se as vogais e as consoantes. São ainda explicadas as funções das consoantes e vogais. Stanislavski discorre também sobre o uso da voz. Med (1996, p. 11) assim define música e melodia: ―música é a arte de combinar os sons simultânea e sucessivamente, com ordem, equilíbrio e proporção dentro do tempo. Ainda segundo o mesmo autor, ―melodia é o conjunto de sons dispostos em ordem sucessiva (concepção
horizontal da música). Conforme Cardoso e Mascarenhas (1973): ―Música é a arte de combinar sons. Os elementos fundamentais da música são Melodia, Harmonia e Ritmo‖. Já Cage (apud SCHAFER, 1991, p. 120). assim a define: Música são sons, sons à nossa volta, quer estejamos dentro ou fora das salas de concerto” Pode-se dizer que a arte de interpretar tanto o texto falado, quanto o texto cantado, têm estreita relação entre si. Segundo Stanislavki (1998), a mesma frase pode ser dita de várias maneiras, explorando-se silêncio e fala. Utilizando-se do recurso de explorar silêncio e fala em alternância, em diferentes momentos, podem ser criadas inflexões diversas, o que apresenta uma espécie de musicalidade na fala. ―Fala é música. O texto de um papel ou uma peça é uma melodia, uma ópera ou uma sinfonia.
No capítulo VIII, Entonações e Pausas, há o desenvolvimento da idéia do capítulo anterior, antes sobre vogais e consoantes das sílabas, agora focando o uso de palavras e frases inteiras. O autor aborda a necessidade de que o ator tenha consciência de suas deficiências na fala, para corrigi-las e trabalhá-las, enfatizando a importância do subtexto. O texto falado é comparado a uma partitura musical que só é bem executada quando os músicos dão vida e sentimento ao texto musical. Stanislavski (1998, p. 136) parece tecer comparações entre a música cantada e sua busca de interpretação, de sentido, e a fala, que também precisa de sentido, sentimento, significação. Exorta o preenchimento de significação e sentimentos adequados ao texto, como se fosse uma música falada. ―Ouvir é ver aquilo de que se fala; falar é desenhar imagens visuais. Para o ator uma palavra não é apenas um som, é uma
evocação de imagens.
Um recurso também ressaltado quanto à sua importância para o ator é a pontuação nas orações ou frases, a divisão em períodos, utilizando-se as pausas. ―A pausa é um elemento importante, um verdadeiro trunfo em nossa maneira de falar. O autor cita, para uso da linguagem falada em cena, mais de um tipo de pausa (pausa psicológica e pausa lógica), e também menciona a pausa utilizada no canto, que pode ser da mesma forma utilizada na linguagem falada, a pausa (pequena) para se tomar ar ou fôlego.
Citando MED (1996. p 20) ―em música existem sons longos e sons breves. Há também momentos quando se interrompe a emissão do som: os silêncios. A duração do som depende da duração da vibração do corpo elástico. A duração é a maior ou a menor continuidade de um som‖. Villela (1996, p. 82) assim discorre sobre pausa e respiração: ―É durante as pausas que se deve respirar; e nos finais de frases, havendo neste caso dois proveitos, ambos de grande efeito no aperfeiçoamento artístico.‖ A pontuação do texto, segundo Stanislavski (1998), oferece grandes dicas a respeito das entonações e o sentimento que se pode suscitar através de sua utilização, criando uma espécie de linha melódica da fala. Os atores precisam, conforme salienta o autor, alternar corretamente pausa e entonação, o que poderá fazer com que se chegue a um forte efeito emocional. Musicalmente, Bohumil assim define pausa: ―Valores negativos ou pausas indicam a duração dos silêncios‖ (MED, 1996, p. 20).
Com o uso de exercícios, o autor apresentou aos atores a proposta de criar imagens e desenvolver um crescendo sobre essas bases imaginárias. Essas imagens criadas suscitaram nos atores, por causa da emoção que provocavam, a emissão de frases fortes, não altas, e sem nenhuma tensão. Segundo Stanislavski (1998, p.165), a proposta era de que se percebesse que alto ou baixo pode significar forte piano, e forte pode significar não piano, assim como fraco significar não forte. ―Quando quiserem que a sua dicção tenha verdadeira força, esqueçam-se do volume e pensem no

movimento ascendente e descendente das inflexões e nas pausas.‖ Pensar em  movimento ascendente e descendente das inflexões poderia remeter à partitura musical, na qual ocorre um movimento melódico ascendente ou descendente. Ou, talvez em uma das propriedades do som: a intensidade. Poder-se-ia pensar, também, em outras propriedades como altura e timbre.

No teatro, o termo partitura é designado para estipular uma convenção nas cenas, seja entre atores, ou entre ator e diretor. Pavis (2005, p. 279) assim discorre sobre o assunto:
Se a música dispõe de um sistema muito preciso para notar as partes instrumentais de um trecho, o teatro está longe de ter à sua disposição semelhante metalinguagem capaz de fazer o levantamento sincrônico de todas as artes cênicas, todos os códigos ou todos os sistemas significantes. No entanto, periodicamente surge a reivindicação de uma linguagem de notação cênica entre encenadores e teóricos.
Na música, partitura é a pauta e a grafia de uma determinada música nessa pauta. ―Notação são os sinais que representam a escrita musical, tais como a pauta, claves, notas, etc.‖ (MED, 1996, p. 12). Partitura, conforme o Dicionário Grove de Música (1994, p. 702), ―é uma forma de música escrita ou impressa em que pentagramas são normalmente ligados por barras de compasso alinhadas na vertical, de maneira a representar visualmente a coordenação musical.
Pavis (2005, p. 279) menciona que Stanislavski, em alguns cadernos de encenação, fez verdadeiras reconstituições do espetáculo. Ou seja, a partitura teatral diz respeito ao espetáculo, à movimentação dos atores nas cenas, assim como na música, na partitura musical, ocorre a linha melódica da música, com a indicação das notas na pauta e demais orientações, como também a indicação de tempo, andamento, unidade de compasso, etc.
No capítulo IX, Acentuação: a Palavra Expressiva, o autor discorre a respeito do terceiro elemento importante da linguagem falada, além das pausas e entonações, a acentuação. Segundo o autor, o conhecimento das regras de acentuação, dentre outros elementos, também contribui para uma utilização mais ajustada do acento, assim como
o subtexto, a linha direta de ação e o objetivo contribuem para orientar. Alguns acentos terão ênfase forte, outros mais leve. Na fala há o que se pode chamar de acentuação
No capítulo IX, Acentuação: a Palavra Expressiva, o autor discorre a respeito do terceiro elemento importante da linguagem falada, além das pausas e entonações, a acentuação. Segundo o autor, o conhecimento das regras de acentuação, dentre outros elementos, também contribui para uma utilização mais ajustada do acento, assim como o subtexto, a linha direta de ação e o objetivo contribuem para orientar. Alguns acentos terão ênfase forte, outros mais leve. Na fala há o que se pode chamar de acentuação
Acentuações, pausas, entonações, subtexto, utilizando-se do recurso das imagens internas, são recursos que criam uma dinâmica da fala que contribuirá para que o ator leve ao expectador as imagens desejadas. Alguns conceitos musicais referentes ao som, segundo MED (1996, p. 12):
As características principais do som são:
1)Altura: determinada pela freqüência das vibrações, isto é, da sua velocidade; quanto maior for a vibração, mais agudo será o som.
2) Duração: extensão de um som; é determinada pelo tempo de emissão das vibrações.
3)Intensidade: amplitude das vibrações; é determinada pela força ou pelo volume do agente que as produz. É o grau de volume sonoro.
4)Timbre: combinação de vibrações determinadas pela espécie do agente que as produz. O timbre é a ―cor‖ do som de cada instrumento ou voz, derivado da intensidade dos sons harmônicos que acompanham os sons principais.
E complementa seu conceito esclarecendo que as características do som são representadas na escrita musical, da seguinte forma:
1)Altura – pela posição da nota no pentagrama e pela clave. A alternância de notas de alturas diferentes resulta em melodia. A simultaneidade de sons de alturas diferentes resulta em acordes, que são a base da harmonia
2)Duração – pela figura da nota e pelo andamento. A alternância de notas de durações diferentes resulta em ritmo.
3)Intensidade – pelos sinais de dinâmica. A alternância de notas de intensidades diferentes resulta em ritmo.
4 )Timbre – pela indicação da voz ou instrumento que deve executar a música
No caso do texto, também são colocadas alturas diferentes, durações que podem ser alternadas, e com intensidades variadas. Não fica claro se há no teatro analogia para o conceito musical de timbre, apesar de o ator ter como recurso usar diversos tipos de timbre para caracterizar suas personagens. Sendo assim, talvez haja essa similaridade na escolha que o ator faz ao definir a voz de sua personagem. Também alguns conceitos que chamam a atenção ao se referirem à música e à fala, expostos no livro de Stanislavski (1998), são a indicação de andamento e de ritmo e que na música são também usados. MED (1996 p. 187) assim define: ―andamento é a indicação de velocidade que se imprime à execução de um trecho musical. É a indicação da duração absoluta do som e do silêncio determinando precisamente o valor das figuras.‖ 7 Outro conceito que parece ser importante de correlacionar é o de ritmo e polirritmia. Segundo Belmira Cardoso e Mário Mascarenhas, ―Ritmo é a maneira como se sucedem os valores na música Polirritmia sobreposição de ritmos diferentes Pluralidade de ritmos combinados‖ (CARDOSO, 1973, p. 8).
No capítulo X, A perspectiva na construção da personagem, o autor esclarece os atores no sentido de que devem utilizar técnica e imagens interiores e uma ―psicotécnica‖ do ator. 8 Segundo ele, o que contribui para dar movimento e colorido à
cena, ou às cenas, são os mesmos elementos que contribuem para a execução de uma boa sinfonia: alternância no andamento, volume do som, nuances. E, nesse caso, a palavra perspectiva significa: ―a correlação e distribuição harmoniosa e calculada das partes de uma peça ou de um papel inteiro.‖ (STANISLAVSKI, 1998, p. 193
As amplas ações físicas, a transmissão de grandes pensamentos, a experiência de vastas emoções e paixões, são compostas de uma multiplicidade de partes componentes e, finalmente, uma cena, um ato, uma peça, não podem fugir à necessidade de terem uma perspectiva, um objetivo final.
Na atuação, com uso da perspectiva, à medida em que avança no papel, o ator deve ter em vista duas perspectivas, uma com a personagem interpretada e a outra consigo próprio. A perspectiva dá amplitude às experiências interiores e às ações exteriores. O ator deve estar consciente da profundidade, da perspectiva e da meta distante. E isso é aplicável, segundo o autor, ao andamento – som da voz, fala, gestos, movimentos, ações, expressão facial, temperamento e ritmo. Segundo Stanislaviski, é preciso não gastar tudo, ser econômico, fazer uma avaliação realista dos poderes físicos e os meios disponíveis para traduzir a personagem interpretada.
Se se fosse procurar algo similar, musicalmente falando, ao conceito de perspectiva descrito acima (―em toda a extensão da peça‖, perspectiva e linha de ação, atitude do ator para com a atuação), a imediata associação do intérprete com a partitura seria inevitável. O intérprete em seu caminho criativo para interpretar um texto musical tem como referência a partitura, o texto musical elaborado pelo compositor, no qual ele tem a noção da peça musical, com todas as conduções escritas, com andamentos, ritmo, tom, etc., que são uma espécie de ―roteiro‖ do compositor. Todavia, também tem de desenvolver uma visão pessoal de seu texto, um estudo próprio, buscando dar significado e criando, a partir de sua referência pessoal, as intenções, o subtexto, assim como o ator, ao se deparar com seu texto teatral.
No capítulo XI, Tempo-ritmo no Movimento, é levantada a questão do tempo- ritmo interior e do tempo-ritmo exterior, quando o tempo-ritmo interior se manifesta nas ações físicas. Para isso, o autor traz os conceitos de tempo, ritmo e compasso, assim como alusões a termos musicais. Stanislaviski (1998, p. 202) explana sobre tempo
como sendo ―rapidez ou a lentidão do andamento de qualquer das unidades previamente estabelecidas, de igual valor, em qualquer compasso determinado.‖ e esclarece que no caso da cena ter um tempo acelerado, a ação contará com um
período menor disponível e o ator terá, conseqüentemente, de falar mais depressa, podendo ocorrer também o contrário, onde o tempo da cena é mais lento e a ação, nesse caso, terá um período maior disponível para sua execução e para o uso da palavra. No conceito de ritmo, o autor diz ser a ―relação quantitativa das unidades – de movimento, de som – com o compasso determinado como unidade de extensão para certo tempo e compasso. E exemplifica com as batidas do metrônomo, que variam em partes fracionais, de variados tamanhos, dentro do compasso, preenchendo-o de ritmo. O fator constante seriam as várias combinações, que formam vários ritmos dentro de uma estrutura de compasso. Sendo que o conceito que traz como compasso seria o de um ―grupo recorrente (ou supostamente recorrente) de valores de duração igual, aceito como unidade e marcado pela acentuação de um dos valores.
Stanislavski, para exemplificar aos atores a afirmação de que nas primeiras fases é importante jogar mais intuitivamente com o tempo-ritmo em cena, executou um exercício com o uso de metrônomos alternando andamentos, como prestoallegro, e também ritmo, como colcheias, mínimas e compassos, binário, ternário, etc. O autor sugere que esses sons todos, a princípio caóticos, têm uma ordem, um equilíbrio. Esses conceitos foram estabelecidos tendo em vista a representação, cujas ações e fala prosseguem em função do tempo e que deveriam, portanto, ser preenchidas com variedade de movimentos e alternância de pausas. No processo da fala, segundo o autor, o tempo deve ser preenchido com sons de diferentes extensões e com pausas entre eles. Sendo assim, o ator formará, nos papéis que estiver representando, sua própria linha de velocidade ou compasso de fala, movimentos, experiência emocional; e deverá encontrar o próprio ritmo dentro das situações encontradas, tanto de velocidade como de lentidão. Contando, para tal, com variação de tempos, duplos, triplos, acentuações diferenciadas, staccato, e também ritmos, pode-se produzir os mais contrastantes climas: andante maestosoandante largoallegro vivoallegretto, etc. Com auxílio do ritmo menciona-se a possibilidade de se chegar a um verdadeiro estado de excitação, recebendo do ritmo um impacto emocional (STANISLAVSKI, 1998. p. 209).
[…] a medida certa das sílabas, palavras, fala, movimentos nas ações, aliados ao seu ritmo nitidamente definido, tem significação profunda para o ator. Mas nunca devemos esquecer o fato de que o tempo-ritmo é uma faca de dois gumes. Pode ser, igualmente, prejudicial e benéfico. Bem utilizado ajuda a induzir os sentimentos adequados, de modo natural, sem forçar. Mas existem também os ritmos incorretos, que despertam os sentimentos errados e deles a gente só se pode libertar com o uso dos ritmos apropriados.
O autor menciona claramente conceitos musicais de andamento, ritmo e tempo aplicados ao texto teatral, como uma música, música-fala, que deverá ser executada pelo ator. O ator estaria para o texto teatral, como o intérprete para o texto musical. O capítulo XII, Tempo-ritmo ao falar, fala do tempo-ritmo interno e externo aplicados à palavra falada. Pode-se experimentar um tempo-ritmo interno divergente do tempo-ritmo externo e contrastar os dois, através de pequenas insinuações nos atos, dando, assim, força e realidade à personagem construída. Para isso é necessário pensar e levantar questões quanto ao tempo-ritmo da peça inteira, a linha direta de ação, as mudanças sutis e sua unidade de efeito quando se consegue encontrar e  interpretar esse tempo-ritmo. Isso diz respeito ao tempo-ritmo da ação e do movimento. Esses conhecimentos podem ser aplicados à palavra falada. Nesse processo da linguagem falada há um tempo dividido pelos sons das letras, sílabas, palavras, e essa divisão de tempo forma partes e grupos rítmicos. Sons, sílabas e palavras estão sujeitos a uma acentuação rítmica mais forte ou mais fraca, ou talvez sem acento algum, que podem ser permeados por pausas (―descansos  respiratórios‖) de diferentes extensões, formando compassos falados; ―a natureza de certos sons, sílabas e palavras, exige uma enunciação partida, comparável às notas de música de valor 1/8 e 1/16.‖ 18 Esses são elementos importantes para se trabalhar o tempo-ritmo na fala, segundo Stanislavski, que faz uso dessa comparação fala – música ainda mais claramente:
uma dicção compassada, sonora, bem mesclada, tem muitas qualidades semelhantes às da música e do canto. letras, sílabas, palavras – estas são as notas musicais da fala, com as quais se formam compasso, árias, sinfonias inteiras. Não é à toa que se descreve uma dicção bonita como sendo musical.
Conforme o autor, há a fala com um tempo mais curto designado para ela, que tem de ser dita mais rapidamente, e a fala com um tempo maior, na qual se pode despender mais tempo. Essa afirmação de Stanislavski poderia suscitar comparação com um tempo musical no qual são utilizadas figuras como fusa, semi-colcheia, semínimas ou até uma nota que ocupe todo o compasso. Segundo o autor, é fundamental, para criar um bom texto falado, pensar a fala e seu tempo, construindo esses ritmos com pausas e tempos, conscientemente, com grupos alternados de sílabas acentuadas e não-acentuadas, usando suas delineações rítmicas, usando as  pausas comuns e as pausas respiratórias. A principal questão para essa construção é saber como combinar, num só conjunto, frases de ritmos variados. Explica que, para se
fazer na fala uma mudança rítmica de um tempo para outro completamente diferente, há uma série de ―degraus rítmicos transicionais que conduzem ao novo ritmo de forma gradual. O autor observa que isso ocorre também com uma sinfonia, que, a princípio, é composta em um tempo de três por quatro e depois em tempo de cinco por quatro, por exemplo. Pensando em um paralelo musical, talvez também seja possível exemplificar essa construção de maneira bem clara em uma forma sonata, cuja estrutura clássica traz uma forma bastante definida, permitindo exemplificar parte desses conceitos, pois podemos encontrar uma transição entre primeiro e segundo temas, como também um
tema conclusivo antes do desenvolvimento; também várias seções no desenvolvimento, uma recapitulação da exposição e, ainda, a possibilidade de uma CODA. Em uma peça, comparativamente, podem ser encontrados vários momentos transicionais entre as falas, momentos claros, que no caso do teatro devem ser definidos pelo autor, pelo diretor e pelo ator na construção da personagem. Entretanto, vale ressaltar que foi mencionado o exemplo de uma forma sonata do período clássico apenas por ser uma forma definida com relação à sua estrutura e identificação de seus elementos, já que em outros períodos mais próximos muitas das músicas apresentam temas e transições
estruturados de forma mais livre. Stanislavski esclarece que a experiência dos pensamentos e emoções agregados às palavras do texto será mais claramente definida, proporcionalmente ao uso mais rítmico do verso ou prosa a serem falados No capítulo XIII, O Encanto Cênico, o autor menciona o fato de alguns atores possuírem um encanto cênico natural, e alerta para que não façam uso disso ao ponto de se tornarem egocêntricos e monótonos ao construírem suas cenas em torno de sua própria pessoa, usando seu encanto pessoal para atrair o público. Há atores que não têm esse encanto cênico natural, mas ao construírem suas personagens, atrás delas e não à frente, por intermédio de um encanto artisticamente fabricado, conquistam o público. O ator deve ter percepção de si próprio, de suas qualidades boas e ruins, para, com paciência e trabalho sistemático, extinguir as características naturais e hábitos cotidianos. Através de um trabalho criterioso e com extrema polidez, pode-se até criar o encanto cênico. ―A arte confere beleza e dignidade e tudo que é belo e nobre tem o dom de atrair. É interessante pensar na situação do intérprete musical que talvez funcione de maneira diversa ao teatro no que se refere, por exemplo, a enfatizar seu encanto pessoal e a personalidade de sua voz e interpretação. Em muitos casos, público parece procurar essa ―personalidade‖ do cantor. Entretanto, em uma encenação de uma ópera, por exemplo, onde pode existir o encanto cênico, Stanislavski alerta que o cantor não deve contar apenas com isso e, além de utilizar sua técnica vocal, deve construir sua personagem. Ele esclarece que, mesmo o intérprete que não tenha esse encanto cênico, ao construir sua personagem com dedicação, conquista o público.
No capítulo XVI, Algumas conclusões sobre a Representação, o autor esclarece que o ―Sistema Stanislavski‖ não é um livro de receitas, mas sim um método que vem auxiliar o ator a desenvolver e estudar a sua arte. O método visa auxiliar nesse processo para que o ator dirija o trabalho de sua natureza interior para a trilha certa com técnica, exercício, estudo, e não só fazendo uso da inspiração. Para que o ator desenvolva a arte de representar são necessários anos de trabalho, estudo, treinamento e dedicação para a absorção dos conhecimentos. Nesse sentido, isso é perfeitamente aplicável à busca do intérprete musical, onde os métodos são orientações para auxílio no desenvolvimento da técnica. O intérprete da música igualmente necessita de técnica, exercício, estudo, treinamento e dedicação.
Stanislavski (1998, p. 320) menciona que a natureza criadora de todos os artistas nunca será substituída pela técnica em cena. A técnica vem apenas contribuir para se seguir, de maneira lógica, ―os calcanhares da inteligência
CONCLUSÃO
O livro ―A Construção da personagem‖, de Constantin Stanislavski (1998), é um importante estudo acerca do caminho na arte da atuação. Ao procurar sistematizá-la, emprega palavras e conceitos musicais aplicados ao teatro. O significado dos termos musicais no contexto teatral passa muito próximo à sua significação musical, inseridos, entretanto, em um universo teatral. Ao procurar, no livro, trazer os conceitos como de partitura, dentre outros, localizamos um uso similar utilizado em ambas as áreas. O texto falado é abordado como música, música falada. Conceitos musicais como compasso, ritmo, tempo, alturas e andamento são utilizados como referência para essa música da fala dentro do parâmetro teatral
Stanislavski estudou profundamente os processos de criação teatral e contribuiu enormemente para o teatro. Seu método das ações físicas é uma referência. Neste livro o autor está expondo suas preocupações acerca da atuação, dividindo experiências como diretor, ator e homem experiente dos palcos. Ainda não havia
chegado ao método das ações físicas, mas buscava incessantemente o aprimoramento, a verdade e o processo da construção da personagem. Nesse caminho criativo, há profissionais que acham acertada a direção apontada por Stanislavski neste livro e há aqueles que não a consideram como tal. Contudo, independentemente da forma de trabalho escolhida pelo ator ou cantor-ator, é inegável a contribuição de Stanislavski para o teatro no caminho de construção da personagem, tanto para o intérprete de teatro como para o intérprete musical. Sejam os termos musicais utilizados em um texto ou em uma partitura, em ambos os contextos, teatral ou musical, fica claro como esses diversos termos encontram afinidade de significação e de aplicação.
Sendo assim, pode ser extremamente rico perceber a semelhança entre o estudo interpretativo em um texto musical e o estudo interpretativo em um texto teatral, bem como os termos e suas significações aplicados em ambos. É sempre bom ressaltar que o tema é vasto e não há como abordar, em apenas um artigo, toda a sua extensão. Diferentes enfoques em muito viriam enriquecer o presente estudo. Com certeza, encontram-se na obra mencionada outros termos correlacionados com a aplicabilidade tanto no teatro como na música, além daqueles que aqui são tratados. Sugere-se, então, uma leitura mais aprofundada da obra e um olhar atento nesse sentido. Igualmente, a leitura das demais obras do autor e de outras obras que versem sobre a aplicabilidade dos termos musicais, teatrais e seu intercâmbio será de grande utilidade para aqueles que desejarem ampliar o conhecimento sobre o assunto
REFERÊNCIAS
CARDOSO, Belmira e Mascarenhas. Mário. Curso completo de teoria e solfejo. São Paulo: Irmãos Vitale, 1973. v. 1 COSTA, Andrada e Silva. M. A. Voz cantada: evolução, avaliação e terapia fonoaudiológica. São Paulo: Lovise, 1998.

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Acesso em: jan. 2011